:: ArtigosA PoderniteGaudêncio Torquato09/10/2019 13:19:00Os
governantes, regra geral, padecem de grave doença: a podernite. Que afeta,
sobretudo, membros do Poder Executivo, a partir do presidente da República,
governadores e prefeitos, podendo, ainda, pegar protagonistas de outros Poderes
e os corpos da burocracia.
Como
todas as ites, trata-se de uma inflamação, que, ao invés de atacar o
corpo, invade a alma. Podemos designá-la como a “doença do poder’”. Se alguém
quiser associá-la ao egotismo, a importância que uma pessoa atribui a si
mesmo, está correto, pois os conceitos são próximos.
O
presidente Bolsonaro, vez ou outra, avisa que o poder é dele. Inclusive, o
poder da caneta BIC, substituída pela caneta Compactor, quando tomou
conhecimento que a primeira é de origem francesa. (Bolsonaro, lembremos,
azucrinou o presidente Emmanuel Macron por conta da questão amazônica). O STF,
nos últimos tempos, tem pontuado: em última instância, o poder é nosso. A
decisão de conceder aos delatados a condição de serem os últimos a falar nas
investigações da Lava Jato é um exemplo do poder da última palavra.
O
Legislativo, assustado com a invasão de suas competências e queixoso da
debilidade do governo na frente da articulação política, assume papel de
protagonista principal em matéria de reformas. Nesse ciclo de grandes interrogações,
cada qual quer ter mais poder. Até porque no vácuo, um poder toma o lugar de
outro.
O
poder traz fruição, deleite, sentimento de onipotência. Governantes e até
burocratas se acham donos do pedaço, tocados pela ideia de que são eles que
conferem alegrias e tristezas, fecham e abrem horizontes, fazem justiça.
A podernite tem graus
variados de metástase. Nos homens públicos qualificados, talhados pela razão,
os tumores são de pequena monta. Nos Estados mais desenvolvidos, com culturas
políticas mais evoluídas, a doença não se espalha muito porque as críticas da
mídia e de grupos formadores de opinião funcionam como antivírus. Nos Estados
menos aculturados, dominados por estruturas paternalistas e sistemas feudais, a
doença geralmente chega a graus avançados.
O
primeiro sintoma da doença é a insensibilidade. Só ouve o que quer ouvir.
O grito rouco das ruas é para eles uma sinfonia distante. Da insensibilidade,
deriva a arrogância. Governantes transformam-se em soberanos, querendo que
cidadãos vistam o manto de súditos e achando que os programas governamentais
constituem um favor e não um dever. Nessa esteira, desenvolve-se o
assistencialismo, com pequenos sacos de migalhas distribuídas a esmo.
A
construção da identidade de um Governo transforma-se, assim, em culto à
personalidade, sob os aplausos da plêiade de amigos e oportunistas. Alguns
governantes descobriram as vantagens das redes sociais e capricham no envio de
mensagens, vídeos e fotos sobre sua performance, desprezando a sábia
lição de nossos avós: “elogio em boca própria é vitupério”.
O
obreirismo inconsequente também passa ser eixo das administrações, no fito de
fixar marcas. E é porque faltam recursos. Vivemos momentos de quebradeira
geral. Mas o “balonismo pessoal” (fenômeno de enchimento do balão do ego) é
impulsionado por levas de áulicos. Ocorre que o Produto Nacional Bruto da
Felicidade – o PNBF – não sobe. Os bolsos continuam secando. E a indignação
social se expande.
Por
isso, as pessoas se afastam dos governantes. Só mesmo grandes sustos - como
queda de popularidade - trazem-nos à realidade. Nesse momento, percebem que o
poder é uma quimera. Volta-se contra eles mesmos.
Senhores,
esta é a dura realidade: a glória mítica de palanques, os palácios, os
ministérios e as instâncias da Justiça são coisas passageiras. Mudam como as
nuvens. (A propósito, as caravanas que pediam Lula Livre hoje se mobilizam para
pedir o Lula Preso. Porque da sede da PF em Curitiba onde está, ele consegue
fazer mais barulho do que em seu apartamento de São Bernardo do Campo). Eita,
Brasil mutante, ou se quiserem, Brasil do chiste.
Só
faltava essa: O procurador de Justiça de Minas Gerais, Leonardo Azeredo dos
Santos, ganha R$ 24 mil mensais e garante que esta quantia é um “miserê”. O que
dirão os milhões de brasileiros desempregados ou aqueles que põem no bolso o
mísero salário mínimo?
Os
pacientes de podernite
agem como Vespasiano, o Imperador, que, na beira da morte, ficava gracejando
numa cadeira: Ut Puto Deus Fio
(Parece que Me Transformo num Deus).
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor
titular da USP, consultor político e de comunicação
Twitter @gaudtorquato
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